sábado, 31 de janeiro de 2009

A vaidade e o poder

"A vaidade é uma qualidade muito disseminada e talvez ninguém esteja livre dela. Nos círculos académicos e científicos é uma espécie de doença profissional. Mas precisamente no homem de ciência, por muito antipáticas que sejam as suas manifestações, a vaidade é relativamente inócua dado que, em geral, não estorva o trabalho científico. No político, que utiliza inevitavelmente como arma o desejo do poder, os seus resultados são muito diferentes. O instinto de poder, como se lhe costuma chamar, está assim, de facto, entre as suas qualidades normais. O pecado contra o Espírito Santo da sua profissão começa no momento em que este desejo de poder deixa de ser positivo, deixa de estar exclusivamente ao serviço da causa para se converter em pura embriaguez pessoal. Em última análise, só existem dois pecados mortais no terreno da política: a ausência de finalidades objectivas e a falta de responsabilidades. Esta coincide frequentemente, embora não sempre, com aquela. A vaidade, a necessidade de aparecer em primeiro plano sempre que possível, é o que mais leva o político a cometer um destes pecados ou os dois ao mesmo tempo. E tanto mais quanto é certo que o demagogo é obrigado a ter em conta o efeito; por isso se encontra sempre em perigo de se converter num comediante ou de não dar a devida atenção à responsabilidade que lhe incumbe pelas consequências dos seus actos, preocupando-se apenas com a impressão que provoca. A sua ausência de finalidade objectiva torna-o propenso a procurar a aparência brilhante do poder em vez do poder real; a sua falta de responsabilidade leva-o a gozar o poder pelo poder, sem tomar em conta a sua finalidade. Embora o poder seja o meio iniludível da política, ou mais exactamente, precisamente porque o é, e o desejo de poder seja uma das forças que a impulsionam, não há mais perniciosa deformação da força política que malbaratar o poder como um adventício ou comprazer-se vaidosamente no sentimento do poder, ou seja, em geral, toda a adoração do poder puro enquanto tal".
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in O político e o cientista, Max Weber

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

E quem perguntará aos futuros ex-prisioneiros de Guantánamo para que país desejam ir?

Luís Amado está muito empenhado em que Portugal seja um dos países a receber ex-prisioneiros de Guantánamo, havendo mais dois ou três países da União Europeia que já se mostraram disponíveis para esse efeito.
Se bem compreendo a situação, os futuros ex-prisioneiros de Guantánamo serão homens em relação aos quais nenhum crime foi provado e, por isso, ficarão completamente livres para decidirem o seu destino. Serão eles que deverão escolher os países para onde desejam ir, ao abrigo das leis de asilo ou de imigração desses mesmos países, e seguindo os trâmites legais respectivos, tudo isto no caso de não ser possível, ou de não quererem, voltar para os seus países de origem.
Mesmo que se tenha de criar um regime especial para o acolhimento e inserção social desses homens, dadas as circunstâncias e o estigma que viveram todos estes anos, deverá ser sempre deles a escolha dos países para onde desejam ir e não ao contrário.

sábado, 24 de janeiro de 2009

Obama - Religião e Política (excertos de discurso proferido numa igreja)

Dada a diversidade crescente das populações dos Estados Unidos, os riscos de sectarismo são maiores do que nunca. O que quer que nós já tenhamos sido, nós já não somos uma nação cristã. Pelo menos não somente cristã. Nós somos também uma nação judaica, uma nação muçulmana, uma nação budista, uma nação hindu e uma nação de não-crentes. E mesmo que tivéssemos apenas cristãos entre nós, se expulsássemos todos os não-cristãos dos E.U.A., qual o cristianismo que ensinaríamos nas escolas? Seria o de James Dobson ou o de Al Sharpton? Que passagens das Escrituras deveriam instruir as nossas políticas públicas? Deveríamos escolher o Levítico, que sugere que a escravidão é aceitável? E que comer frutos do mar é uma abominação? Ou poderíamos escolher o Deuterónimo que sugere que se apadreje o seu filho se ele se desviar da fé? Ou deveríamos apenas ficar com o Sermão da Montanha? Uma passagem que é tão radical que é de se duvidar que o nosso próprio Departamento de Defesa sobreviveria à sua aplicação. Então, antes de nos empolgarmos, vamos ler as nossas Bíblias agora. As pessoas não têm lido a Bíblia. O que me leva ao 2.º ponto: que a democracia exige que os motivados por uma religião traduzam as suas preocupações em valores universais, ao invés de específicos de uma dada religião. O que é que eu quero dizer com isto? Ela (a democracia) requer que as propostas delas (das religiões) sejam sujeitas a discussão e que passem pelo crivo da razão. Eu posso ser contrário ao aborto por razões religiosas, por exemplo, mas se eu pretendo aprovar uma lei proibindo a prática do aborto, eu não posso recorrer, simplesmente, aos ensinamentos da minha igreja ou invocar a vontade divina; eu tenho que explicar que o aborto viola algum princípio que é acessível a pessoas de todas as fés, incluindo aqueles sem fé alguma.
Agora isto vai ser difícil para alguns que acreditam na infalibilidade da Bíblia, como muitos evangélicos acreditam, mas, numa sociedade pluralista, não temos escolha. A política depende da nossa habilidade de nos persuadirmos mutuamente, de objectivos comuns com base numa realidade comum. Ela envolve negociação, a arte do possível. E, nalgum nível fundamental, a religião não permite negociar; é a arte do impossível. Se Deus falou, então espera-se que os seguidores vivam de acordo com os éditos de Deus, a despeito das consequências. Basear a vida de uma pessoa em compromissos tão inegociáveis pode ser sublime, mas basear as nossas decisões políticas em tais compromissos seria algo perigoso. E se duvidam disso, deixem-me dar um exemplo: todos conhecemos a história de Abraão e Isaac. A Abraão Deus ordenou que sacrificasse o seu único filho. Sem discutir ele leva Isaac até ao topo da montanha e amarra-o a um altar. Levanta a sua faca, prepara-se para agir como Deus ordenara. Agora, sabemos que tudo correu bem! Deus enviou um anjo para interceder mesmo no último minuto. Abraão passou no teste de devoção a Deus. Mas é justo dizer que, se qualquer um de nós, ao sair desta igreja, visse Abraão no telhado de um prédio levantando uma faca, iríamos, no mínimo, chamar a polícia, e esperaríamos que o Departamento de Apoio às Crianças e à Família tirasse a custódia de Isaac a Abraão. Nós faríamos isso porque não ouvimos o que Abraão ouve, nós não vemos o que Abraão vê. Então, o melhor que podemos fazer é agir de acordo com aquelas coisas que todos nós vemos e que todos nós ouvimos. A jurisprudência é bom senso básico. Então temos algum trabalho a fazer aqui, mas tenho esperança de que podemos transpor o hiato que existe e superar os preconceitos que todos nós, em maior ou menor grau, trazemos a este debate. E tenho fé que milhões de americanos crentes querem que isso aconteça. Não importa o quão religiosos eles possam ser ou não ser, as pessoas estão cansadas de ver a fé ser utilizada como arma de arremesso. Elas não querem que a fé seja usada para as apoucar ou para as dividir porque, afinal, não é dessa forma que elas vêem a fé nas suas próprias vidas. 
Barack Obama
Para quem prefira ver e ouvir no vídeo:

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Cristovam Buarque sobre a internacionalização da Amazónia

Na mesma altura em que as Nações Unidas realizaram o Forum do Milénio, Cristovam Buarque, M.N.E. do Brasil, estava numa conferência organizada por uma Universidade dos EUA, e, questionado por um jovem americano sobre o que pensava da internacionalização da Amazónia, acrescentando que esperava a resposta de um humanista e não de um brasileiro, Cristovam Buarque retorquiu:
De facto, como brasileiro eu simplesmente falaria contra a internacionalização da Amazónia. Por mais que os nossos governos não tenham o devido cuidado com esse património, ele é nosso. Como humanista, sentindo o risco da degradação ambiental que sofre a Amazónia, posso imaginar a sua internacionalização, como também a de tudo o mais que tem importância para a humanidade.
Se a Amazónia, sob uma ética humanista, deve ser internacionalizada, internacionalizemos também as reservas de petróleo do mundo inteiro...O petróleo é tão importante para o bem-estar da humanidade quanto a Amazónia para o nosso futuro. Apesar disso, os donos das reservas sentem-se no direito de aumentar ou diminuir a extracção de petróleo e subir ou não o seu preço. Da mesma forma o capital financeiro dos países ricos deveria ser internacionalizado. Se a Amazónia é uma reserva para todos os seres humanos, ela não pode ser queimada pela vontade de um dono ou de um país. Queimar a Amazónia é tão grave quanto o desemprego provocado pelas decisões arbitrárias dos especuladores globais. Não podemos deixar que as reservas financeiras sirvam para queimar países inteiros na volúpia da especulação.
Antes mesmo da Amazónia, eu gostaria de ver a internacionalização de todos os grandes museus do mundo. O Louvre não deve pretencer apenas à França. Cada museu é guardião das mais belas peças produzidas pelo génio humano. Não se pode deixar que esse património cultural, como o património natural Amazónico, seja manipulado e destruído pelo gosto de um proprietário ou de um país. Não faz muito tempo, um milionário japonês decidiu enterrar com ele um quadro de um grande mestre. Antes disso aquele quadro deveria ter sido internacionalizado.
Durante este encontro, as Nações Unidas estão realizando o Forum do Milénio, mas alguns presidentes de países tiveram dificuldades por constrangimentos na fronteira dos EUA. Por isso, eu acho que Nova York, como sede das Nações Unidas, deve ser internacionalizada. Pelo menos Manhattan deveria pertencer a toda a humanidade. Assim como Paris, Veneza, Roma, Londres, Rio de Janeiro, Brasília, Recife, cada cidade, com a sua beleza específica, a sua história do mundo, deveria pertencer ao mundo inteiro.
Se os EUA querem internacionalizar a Amazónia, pelo risco de deixá-la nas mãos dos brasileiros, internacionalizemos também todos os arsenais nucleares dos EUA. Até porque eles já demonstraram que são capazes de usar essas armas, provocando uma destruição milhares de vezes maior do que as lamentáveis queimadas feitas nas florestas do Brasil.
Nos seus debates, os actuais candidatos à presidência dos EUA têm defendido a ideia de internacionalizar as reservas florestais do mundo em troca da dívida. Comecemos usando essa dívida para garantir que cada criança do mundo tenha possibilidade de comer e de ir à escola. Internacionalizemos as crianças tratando-as, todas elas, não importando o país onde nasceram, como património que merece cuidados do mundo inteiro. Ainda mais do que merece a Amazónia. Quando os dirigentes tratarem as crianças pobres do mundo como um património da Humanidade, eles não deixarão que elas trabalhem quando deveriam estudar, que morram quando deveriam viver.
Como humanista, aceito defender a internacionalização do mundo. Mas, enquanto o mundo me tratar como brasileiro, lutarei para que a Amazónia seja nossa. Só nossa!

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Conferência Internacional: Media & Desporto

Realiza-se nos próximos dias 22 e 23 de Janeiro uma Conferência Internacional sobre Media e Desporto, organizada pelo Centro de Estudos de Comunicação e Cultura da Universidade Católica Portuguesa, na Sala de Exposições, Edifício da Biblioteca, Palma de Cima, em Lisboa. Todas as informações sobre horários, temas, conferencistas, inscrições, estão disponíveis em http://mediaedesporto.blogspot.com/.

domingo, 11 de janeiro de 2009

Bertolt Brecht - Dificuldade de Governar

1
Todos os dias os ministros dizem ao povo
Como é difícil governar. Sem os ministros
O trigo cresceria para baixo em vez de crescer para cima.
Nem um pedaço de carvão sairia das minas
Se o chanceler não fosse tão inteligente. Sem o ministro da Propaganda
Mais nenhuma mulher poderia ficar grávida. Sem o ministro da Guerra
Nunca mais haveria guerra. E atrever-se-ia a nascer o sol
Sem a autorização do Führer?
Não é nada provável e se fosse
Ele nasceria por certo fora do lugar.
2
É também difícil, ao que nos é dito,
Dirigir uma fábrica. Sem o patrão
As paredes cairiam e as máquinas encher-se-iam de ferrugem.
Se algures fizessem um arado
Ele nunca chegaria ao campo sem
As palavras avisadas do industrial aos camponeses: quem,
De outro modo, poderia falar-lhes na existência de arados? E que
Seria da propriedade rural sem o proprietário rural?
Não há dúvida nenhuma que se semearia centeio onde já havia batatas.
3
Se governar fosse fácil
Não havia necessidade de espíritos tão esclarecidos como o do Führer.
Se o operário soubesse usar a sua máquina
E se o camponês soubesse distinguir um campo de uma forma para tortas
Não haveria necessidade de patrões nem de proprietários.
É só porque toda a gente é tão estúpida
Que há necessidade de alguns tão inteligentes.
4
Ou será que
Governar só é assim tão difícil porque a exploração e a mentira
São coisas que custam a aprender?
Bertolt Brecht (1898-1956)

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Goethe (Judeus, Cristãos, Pagãos...)

«Fora Judeus e Pagãos!» - clama a paciência cristã.
«Maldito o Cristão e o Pagão!» - murmura um barbudo Judeu.
«Os Cristãos ao espeto e os Judeus à fogueira»!
- Canta um Turquinho troçando Cristãos e Judeus.
Qual é o mais esperto? - Decide! Mas se loucos destes
Há no teu palácio, Divindade, eu passo de largo.

J.W.Goethe (1749-1832)