domingo, 29 de julho de 2012

A monja e o capitalismo não ético


Li com muito interesse a crónica de ontem de Anselmo Borges, publicada no DN, onde expõe algum do pensamento de Teresa Forcades sobre algumas facetas do capitalismo não ético e as consequências que o mesmo acarreta para a vida da maioria dos cidadãos, bem como a sua recusa em aceitar que não há alternativas ao mesmo. Pela sua pertinência, deixo aqui o texto na íntegra:

«Nasceu em Barcelona em 1966. É doutorada em Medicina e em Teologia. Muito conhecida pelas suas posições feministas e pelas críticas às multinacionais farmacêuticas, Teresa Forcades é uma monja beneditina do Mosteiro de Sant Benet de Monserrat.
Conheci-a em Julho de 2011, em Santander, num Congresso de Teologia e Ética, e a impressão que me ficou foi a de uma mulher séria e agradável, descontraidamente inteligente e interventiva.
Foi recentemente convidada para a conferência inaugural de um encontro de empresários, talvez o mais importante da Catalunha, com a presença de umas seiscentas pessoas.
Ela é absolutamente favorável ao empreendedorismo. Quereria que isso fosse uma possibilidade para todos, pois isso significa realizar possibilidades e ter iniciativas próprias. Mas põe em causa o empresariado baseado numa relação contratual num quadro capitalista sem ética. Por três motivos.
É uma mentira o mercado que se diz livre. De facto, ao longo da história, o mercado nunca foi livre. "Foi sempre regulado a favor de certos interesses: da realeza, interesses proteccionistas, da classe dominante, do parente dos governantes de turno." Mercado livre é "uma hipocrisia, uma falácia".
Depois, a lógica do capitalismo, no quadro do mercado global, quer "o máximo lucro". Ora, é aberrante, do ponto de vista antropológico e humano, pensar que a melhor maneira de incentivar as pessoas, a sua criatividade, a actividade económica e, em última análise, o crescimento, seja o lucro máximo. Satisfeitas as necessidades básicas, "o que me estimula não é o dinheiro", mas a curiosidade intelectual, o desafio de descobrir potencialidades e encontrar quem ajude a realizá-las, o apreço dos colegas, a valorização do trabalho que faço, ver que o trabalho das pessoas transforma de modo positivo as suas vidas. Porque não criar uma sociedade fundada no que verdadeiramente nos dá gosto e nos realiza? E o direito à alimentação, à educação, à saúde, à reforma tem de estar acima do mercado e do lucro.
Portanto, o capitalismo não lhe parece ético. E assume a crítica marxista da mais-valia, dando um exemplo: no mosteiro, temos uma pequena empresa de cerâmica e há uma pessoa de fora que lá trabalha; se lhe pagarmos um euro e ganharmos mil, o capitalismo dirá: que bem! "Mas isto é indigno, pois vai contra a dignidade do trabalho." Há diferenças aberrantes: num contrato, "talvez esteja bem que eu ganhe um e tu ganhes quatro ou até dez, mas mil não pode ser de modo nenhum".

É, pois, claríssimo que temos de pensar e organizar uma alternativa. "Quem nos ensinou a não confiar que não nos podemos organizar melhor, ao constatarmos, como constatamos, que o modo actual é tão claramente contrário aos interesses da maioria?" O bloqueio da imaginação é um sinal de alarme. É como se se tornasse não possível para mim, que sou monja e prefiro esta vida, imaginar para mim própria uma vida fora do mosteiro. "Se já nem sequer posso imaginar uma alternativa, creio que isso é um sinal de alienação mental."
O que é e aonde leva a especulação? Eu compro todo o trigo e guardo-o. As pessoas vão morrendo, mas, quando os preços subirem, vendo pelo dobro. "Isto aconteceu, e estes senhores do Goldman Sachs sentam-se nas primeiras filas dos convénios e recebem prémios, mas deviam estar na cadeia." São responsáveis por mortes. Jean Ziegler, das Nações Unidas, diz que isto é assassínio organizado. Presentemente, produzem-se alimentos para 12 mil milhões de pessoas, mas há mil milhões com fome. Cada dia morrem 26 mil crianças de fome.
A conversão fundamental é, na nossa visão do mundo, a da passagem da relação sujeito-objecto para uma relação sujeito-sujeito, substituindo assim uma relação de dominação por uma relação de jogo de subjectividades, no qual entram dignidades.
Se continuarmos nesta "alienação mental", neste bloqueio da renovação social, porque os políticos só pensam nas próximas eleições, sem capacidade para criar uma alternativa, a nossa situação pode piorar e podemos assistir a um fascismo social e político e até a uma guerra.»

António Borges (no DN de ontem)

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